A volta da Sahara? Como era andar na clássica Honda NX 350
Uma moto com tripla personalidade: versátil, confortável e simples, esta era a receita de sucesso da Sahara. Saiba o que oferecia modelo que deve inspirar futura XRE 300
Imagine se você pudesse ter três motos na garagem: uma para fazer trilha, outra pra usar diariamente na cidade e uma terceira só para viajar. Foi mais ou menos assim que eu descrevi, em 1993, a Honda NX 350 Sahara, lançada em 1990, para substituir a Honda XLX 350R. Em tempo com a expectativa de uma nova XRE 300 baseada na clássica Sahara, vamos lembrar o que a moto oferecia como nossa usada da vez!
A Sahara foi uma das motos mais bem projetadas da Honda brasileira. Baseada na XLX 350R ela recebeu carenagem semelhante às das motos que disputavam o desafiador rali Paris-Dakar, tampas laterais “gorduchas” imitando os tanques suplementares das motos de rali e a abençoada e requisitada partida elétrica. Só quem espatifou a canela direita ao tentar ligar uma XLX 350R sabe como a partida elétrica foi comemorada.
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O conjunto motor/escapamento precisou se adequar às exigências de emissões de poluentes e ruídos. Mesmo assim ela ganhou um pouco de potência para compensar o aumento de peso. Com capacidade volumétrica de 339 cm3, este motor de um cilindro desenvolvia 31,5 CV a 7.500 RPM (30,0 CV na XLX 350) e torque de 3,13 kgf.m a 6.500 RPM (3,0 na XLX). São dados muito bons para a época. Também ganhou massa, chegando a 144,5 kg contra 135 kg da XLX 350.
Com esses dados técnicos, a Sahara chegava a quase 140 km/h de velocidade máxima e fazia cerca de 20 km/litro na média geral de consumo, mas eu mesmo cheguei a fazer quase 30 km/litro quando rodava suavemente.
Na estrada
Tive a oportunidade de viajar muito de Sahara 350. Uma dessas viagens fui de São Paulo (SP) a Ilhéus (BA), cerca de 1.600 km, pernoitando em Campos de Goytacazes (RJ). Nesta viagem lembro de não ter sofrido muito porque o banco era macio, largo e muito amigável com o traseiro do piloto. Mas eu tinha 30 anos a menos!
A ciclística da Sahara preserva muito da XLX 350R, como as bengalas de longo curso (215mm), já sem as válvulas para calibragem e a suspensão traseira super consagrada Pro Link com 200 mm de curso, além do quadro tubular. Somando à roda dianteira de 21 polegadas e traseira de 17 polegadas, era muito tranquilo de viajar porque não tinha estrada ruim para essa moto. Buracos, lombadas, costelas, podia vir qualquer coisa pela frente que ela ignorava solenemente.
Naqueles idos tempos não havia tanta preocupação com consumo. Lembro que nessa viagem eu rodava na média de 120 km/h, chegando a 140 km/h nas intermináveis retas do sul da Bahia. O consumo ficou entre 16 e 20 km/litro para um tanque de 14 litros. Nesta época eu mesmo fazia os testes para a revista Duas Rodas e a velocidade máxima real medida no cronômetro foi de 137,7 km/h, muito bom para uma moto pesada e ainda alimentada por carburador simples de 35mm de venturi.
Dois itens que contribuíam muito para a vocação estradeira era o bagageiro original, pequeno, mas muito elegante, e a bolha da carenagem, que desviava parte do vento por cima da cabeça. O que incomodava um pouco era a vibração típica do motor de um cilindro, mas felizmente a Honda incluiu uma proteção de borracha nas pedaleiras do piloto.
Na cidade
Muito versátil, fácil de pilotar e confortável. Pra rodar na cidade a Sahara era a moto na medida certa. O motor de um cilindro com o comando RFVC de quatro válvulas tinha muita retomada de velocidade, o que exigia poucas trocas de marchas do câmbio de seis velocidades. Dava pra rodar praticamente o tempo todo em quinta e sexta marchas. Claro que a relação final de transmissão era mais curta, pelo caráter de uso misto.
Só os motociclistas com menos de 1,70m tinham um pouco de dificuldade em função da altura do banco ao solo de 835mm, mais baixa que a XLX 350R (860mm). Pra mim (1,68m) ela servia sob medida, porque sempre fui um baixinho dono de motos trail.
O guidão largo atrapalha um pouco o desenrolar na cidade, mas como a moto é toda alta (1.315mm), na maioria das vezes nem batia nos espelhos retrovisores. Só o protetor de mão que dava uns “tocs” de vez em quando, mas era de plástico flexível.
No uso urbano o consumo até melhorava um pouco, chegando a fazer 22 a 25 km/litro. Mas lembre, nessa época pouco se falava em preço de gasolina. E outra qualidade dessa trail era a incrível capacidade de fazer curvas! Os pneus da época eram os Pirelli MT 40 que desempenhavam muito bem no asfalto e também na terra. Só na lama e areião é que ficavam devendo um pouco porque o desenho privilegiava o uso no piso de asfalto mesmo. Também era um pouco barulhento, outra característica pouco preocupante nestes anos 1990.
Na terra
Agora sim, chegou meu terreno favorito. Em 1993 eu já tinha 10 anos de experiência como piloto de enduro e pilotar na terra sempre foi a minha verdadeira paixão (apesar de ter corrido de motovelocidade). Então eu era o repórter normalmente escalado para cobrir provas de enduro, porque entrava na trilha junto com os pilotos e conseguia fazer ótimas fotos.
Por isso o organizador do Enduro da Lua Cheia, em Criciúma (PR) me convidou para cobrir o evento. Mas na véspera ele preferiu me inscrever na prova e ainda me deu uma Sahara, com pneus Pirelli Rallycross para eu competir na categoria Graduados. Acho que não existe melhor teste do que esse!
Com a XLX 350R eu já tinha feito vários enduros e destruído minha canela direita a cada vez que precisava ligar com o motor quente. Porém, sem a carenagem a XLX era mais fácil porque esterçava bem mais. Quando peguei a Sahara minha canela agradeceu a ausência do pedal de partida, mas logo nos primeiros kms de trilha percebi que o guidão virava bem menos e a carenagem com o farol fixo seria um problema, já que o enduro foi todo à noite.
Naquela viagem a Ilhéus tive a chance de rodar por estradas de terra batida e a Sahara tirou de letra, se comportando quase como uma XLX 350. Mas no enduro foi diferente. Primeiro porque em Criciúma pegamos muito trecho de areião, o que exigiu muito da relação de transmissão, do piloto (exausto) e as várias quedas começaram a cobrar esforço extra da bateria.
E foi num trecho de lama que a bateria pediu o penico. Como o alternador só carrega a bateria de forma eficiente acima de 2.000 RPM e ficamos muito tempo em baixa rotação, a bateria miou. Sem pedal de partida e num trecho escorregadio não tive como ligar no tranco e minha prova acabou ali mesmo. Pecado, porque estava em quinto lugar até esse momento.
Nem por isso a Sahara pode ser criticada no fora-de-estrada. Pelo contrário, se desenvolve muito bem e alguns pilotos faziam um mix, utilizando a base da Sahara, mas sem carenagem e com para-lama alto, para disputar enduros.
Uma curiosidade sobre a Sahara: quando foi lançada, em 1990, a versão hoje conhecida como Capitão América, por causa das cores azul, vermelho e branco, era equipada com o escapamento todo preto fosco. Em 1992 ela recebeu uma ponteira de aço escovado que permaneceu até sair de linha, em 1999, para dar lugar à polêmica Falcon 400.
Recentemente tive a chance de pilotar a primeira versão da Sahara, graças ao colecionador Diego Rosa, de Atibaia (SP). Foi muito interessante perceber que a espuma do banco é muito mais macia do que das motos atuais (e eu também tenho menos carne naquela região). O painel é simples, até difícil de ler e os comandos elétricos parecem de brinquedo. Continua sendo muito confortável se comparada com as atuais, mas o ruído do escapamento e dos pneus sobressaem.
Também senti a vibração do motor elevada para os padrões atuais. Mas não restou a menor dúvida que esta seria uma moto que teria hoje em dia para uso normal, porque preserva muito da versatilidade.
Em suma, a Sahara foi um dos produtos mais admirados da Honda do Brasil, objeto de colecionadores e com ótimo valor de revenda (se bem conservada). Não é à toa que a Honda do Brasil prepara a volta deste icônico nome ao mercado, em sua futura 250cc de uso misto, com o novo motor da Twister, que deverá substituir da XRE 300.
Bom retorno!
FICHA TÉCNICA - Honda NX 350 Sahara |
MOTOR | 1 cilindro, 339 cc |
ALIMENTAÇÃO | Carburador |
COMBUSTÍVEL | Gasolina |
POTÊNCIA | 31,5 cavalos a 7.500 rpm |
TORQUE | 3,13 kgfm a 6.500 rpm |
DIÂMETRO x CURSO | 84,0 x 61,3 mm |
CÂMBIO | 6 marchas |
COMPRIMENTO | 2.089 mm |
LARGURA | 815 mm |
ALTURA | 1.315 mm |
ENTRE-EIXOS | 1.396 mm |
DISTÂNCIA DO SOLO | 248 mm |
PESO | 144,5 kg (seco) |
TANQUE | 14 litros |
FREIO DIANTEIRO | Disco |
FREIO TRASEIRO | Tambor |
PNEU DIANTEIRO | 3.00 - 21 51 R/Pirelli/MT 40 Trail ON/OFF |
PNEU TRASEIRO | 4.60 - 17 62 R/Pirelli/MT 40 Trail ON/OFF |
SUSPENSÃO DIANTEIRA | Garfo telescópico de 215 mm |
SUSPENSÃO TRASEIRA | Pro-link de 200 mm |
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