Motos usadas chegam a valorizar 40% em poucos meses

Problemas de produção e alta procura durante a pandemia têm feito preços no mercado de usadas disparar
Harley-Davidson Iron 883 2012

Harley-Davidson Iron 883 2012 | Imagem: Divulgação

A princípio parecia um erro. Depois foi ficando assustador e agora é real: um aumento de até 40% no preço das motos usadas. Quem estava pesquisando motos para comprar deve ter percebido que em apenas dois meses o mercado sofreu uma reviravolta impressionante. Modelos como a Harley-Davidson 883 Iron saltou nada menos que 45% em poucos meses. Enquanto as motos de menor cilindrada simplesmente sumiram dos classificados. O que aconteceu?

Especialistas afirmam que foi uma combinação de dificuldade de entrega das motos zero km, mas que também teve influência da conjuntura econômica. Segundo José Simões, gerente da Stand Motos, uma das maiores lojas de usadas de São Paulo, “parte dessa situação é causada pela tabela FIPE”, justifica. Segundo ele a tabela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisa Econômica – é baseada nos anúncios publicados em classificados. “Cada dono de moto pede quanto quiser, mas se vai conseguir vender por este valor é outra história”, explica Simões.

Outra explicação para esta valorização das usadas é a falta de motos novas em pronta entrega, principalmente as mais procuradas. Segundo João Carlos Musso, da Johnny Garage, “ainda estamos vivendo reflexo da pandemia na China, porque alguns fornecedores pararam de produzir e quando retornaram deram prioridade ao mercado interno”. O resultado é que alguns componentes demoraram para chegar às linhas de montagem de Manaus (AM) e as motos novas sumiram das lojas.

Yamaha NMax 2017
Yamaha NMax 2017
Imagem: Ricardo Meier

– A falta de motos zero km sobrevaloriza as usadas, porque o interesse pela compra existe. Conta José Simões.

Tem outros fatores que ajudam a entender essa conjuntura, tais como a alta do dólar e a inflação. “Nas motos maiores é grande o número de componentes importados, quando o dólar sobe causa um efeito cascata que chega nas usadas, porque a diferença entre a zero e a usada ficou muito grande”, explica João Musso. Ele ainda lembrou outro componente inflacionário: a alta da gasolina, que traz consequências para toda a cadeia produtiva.

João cita o exemplo da Harley-Davidson 883, que deixou de ser importada para o Brasil. Segundo ele uma HD 883 Iron 2012 que era comercializada a R$ 28 mil hoje já chegou a R$ 35 mil. “Boa parte desse aumento é consequência do aumento do preço das motos zero km, que foi para as alturas”, complementa.

No caso das motos pequenas o aumento do preço das usadas se deu por outras razões paralelas. A primeira delas foi o aumento do desemprego, que fez muita gente optar por comprar uma moto e trabalhar como entregador de aplicativos. “Quem recebeu uma indenização maior comprou um carro e foi trabalhar como app de transporte, quem recebeu menos comprou a moto”, explicou João Musso.

De fato, de acordo com as entidades que representam a categoria, o número de motofretistas em São Paulo saltou de 250.000 para 400.000 nos últimos 18 meses.  Ou seja, quase dobrou. Além do “sumiço" das motos de baixa cilindrada, aqueceu também as motos novas.

Segundo a Abraciclo (associação que reúne os fabricantes), a produção voltou ao normal. Dados do setor mostram que em agosto foram produzidas 123.722 unidades, o que representou um aumento de 30,2% em relação a julho e 25,8% se comparado com o mesmo mês de 2020. No entanto, as vendas de motos zero km tiveram uma queda de 9% em relação a julho, mas alta de 6,8% em relação ao mesmo período de 2020.

A queda nas vendas de motos novas pode já ser um reflexo da inflação e da alta na taxa de juros. Segundo o presidente da Abraciclo, Marcos Fermanian, “estamos atentos, pois a alta dos juros, o aumento da inflação e a explosão de preços também poderão afetar o setor de Duas Rodas”. Já está afetando, presidente!

Loja Stand Motos
Loja Stand Motos
Imagem: Divulgação

Como comprar?

O mercado brasileiro de motos movimenta anualmente cerca de 3 milhões de unidades por ano, entre novas e usadas. A balança obedece a velha e insofismável lei da oferta x procura. Quando caem as vendas das motos zero km sobe a venda de usadas. Quando cai a venda de usada, sobe a de zero km. Será sempre assim até o final dos tempos. Estamos no momento de aquecimento das usadas.

Mas como comprar uma usada sem correr risco? O experiente José Simões dá uma dica valiosa: “antes de mais nada pesquise o histórico da moto”. Este documento pode ser feito usando a placa ou o número do Renavan, nos sites dos Detrans. Além disso, João Musso dá mais uma dica: “hoje já existem empresas que prestam serviço de laudo particular, que conseguem até rastrear multas que ainda não estão no sistema do Detran”.

Também é bom pesquisar muito bem e fugir dos “micos”. Entre os modelos mais difíceis de encontrar estão as Yamaha NMax 160, XMax 250 e Lander 250. “A procura por estas motos zero km é muito grande, mas a fila de espera é grande, isso fez os preços dispararem”, justifica Simões. “A fila de espera destes modelos zero km está enorme. A Yamaha Fazer 250 estão prometendo pra 2022!”, especulou. Por conta dessa espera os modelos usados não “esquenta o chão da loja”, explicou Simões. “Quando chega uma destas usada já tem gente na porta esperando”, brinca.

Já entre os grandes micos do mercado está a BMW G 310 R, modelo naked da marca que apresentou alguns problemas de projeto e que a tornaram um grande problema para os lojistas. Em alguns casos a loja só recebe em troca por outra, muito contra a vontade.

BMW G 310 R 2017
BMW G 310 R 2017
Imagem: Divulgação

Mesmo nas concessionárias o fluxo de motos usadas foi bem recebido e festejado. Tatiane Ferreira Soares, gerente da concessionária Honda Remaza, do Ibirapuera, São Paulo, desabafa: “nunca tivemos tantos scooters usados”.  Segundo ela a procura por scooters aumentou muito com a pandemia, tanto pela necessidade de mobilidade, quanto pelo preço da gasolina. “Se existe o interesse, mas não dispomos de produto zero km, podemos oferecer as usadas porque só compramos scooters de boa procedência”, explica. De acordo com ela, isso foi um dos motivos de os preços das scooters usadas terem disparado.

Outro fator que fez os preços das usadas dispararem foi, mais uma vez, reflexo da pandemia de coronavírus. Muita gente que perdeu o emprego foi buscar nos serviços de entrega com moto uma forma de rendimento. “A lei da oferta e procura sempre funcionou”, lembra Tatiane. Em síntese, o aumento na procura fez os preços subirem como acontece em qualquer mercado.

Até mesmo quem tem scooter já bem rodado, cinco anos de uso, conseguiu um bom negócio. O comerciante Carlos Henrique Ponzio acabou de adquirir um scooter Honda Elite zero km na concessionária Remaza e, segundo ele, valorizaram bem a sua scooter Suzuki Burgman já bem rodado. “Pagaram bem na usada e ainda consegui um bom negócio na nova”, explicou.

As perspectivas a curto prazo são de manter essa situação. As incertezas do mercado, projeção de inflação, alta de juros e conjuntura política conturbada mexem demais com a Economia como um todo. O momento está bom para vender as usadas, mas também ficou maior a distância para uma zero km. Como definiu João Musso, “é tudo uma grande engrenagem interligada, se mexe em uma peça altera todo o sistema”, finaliza.

Por

Tite Simões

Geraldo 'Tite' Simões é jornalista e instrutor de pilotagem na Speedmaster.

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