'Diablólico': avaliamos os novos pneus Pirelli Diablo Rosso IV
Nova família de pneus voltada para motos de alta performance acaba de ser lançada no Brasil
Compromisso é uma palavra cheia de significados. Nas relações pessoais, profissionais ou amorosas. Mas na engenharia ela tem um significado muito específico. Representa a melhor forma de combinar alguns atributos em harmonia sem comprometer os outros. No caso dos pneus, por exemplo, significa criar um composto mais aderente sem comprometer a durabilidade. É uma explicação muito simples para uma tarefa muito difícil.
Para entender como esse trabalho funciona fomos até a cidade de Elias Fausto, a 120 km da capital paulista, no Circuito Panamericano, campo de provas da Pirelli, conhecer de perto a nova família de pneus Pirelli Diablo Rosso IV, voltada para motos de alta performance.
Obviamente que uma fábrica não lança um pneu novo que seja pior em relação ao produto anterior, por isso tudo neste IV foi melhorado em relação ao III que é melhor do que o II naturalmente.
Mas o conceito de “melhor” pode ser muito flexível. Dentre os mais de 10 parâmetros de comparação alguns itens ganharam incremento de até 30% em relação ao Rosso III, outros permaneceram quase iguais. Mas vou resumir alguns dos itens que mais evoluíram: entrada de curva, saída de curva, piso molhado, consistência, agilidade e aderência. O que permaneceu praticamente igual foi o rendimento quilométrico que, no caso de pneus de caráter esportivo, é bem pequeno quando comparado com pneus touring. Pode ser esperado um rendimento de 6 a 8 mil km em uso “normal”.
Papo técnico
Antes de entrar no papo técnico mais profundo é preciso fazer uma ressalva. A maioria esmagadora de usuários deste tipo de pneu não tem conhecimento técnico suficiente para avaliar as características. Um erro muito comum entre usuários de motos de alto desempenho é trocar os pneus por uma marca diferente e depois comentar que a moto melhorou muito. Na verdade o que fez a moto melhorar não foi a mudança da marca, mas o fato de ter substituído um pneu gasto por um novo! Para reconhecer a evolução de um pneu é preciso compará-los quando novos, na mesma moto, mesma pista e mesmas condições climáticas!
Tenho uma enorme experiência em teste de pneus aqui no Brasil e no exterior. Além disso acompanhei a evolução da família Diablo desde que a Pirelli lançou o Dragon Evo, em 1998, em Las Vegas, EUA. Também usei toda a gama Diablo em várias motos por anos durante as aulas do meu curso de pilotagem esportiva SpeedMaster. Como eu usava as motos também na estrada sempre optei pelos pneus sport-touring que são mais versáteis, que é o caso deste Rosso IV.
Para entender o que melhorou no Diablo Rosso IV é preciso escarafunchar o miolo destes pneus. Deixando de lado o bla-bla-bla técnico, as maiores novidades estão na estrutura bicomposta do pneu dianteiro e tricomposta em algumas medidas de pneus traseiro. Neste teste usamos pneus traseiros bicompostos. Só nas medidas acima de 190/55 que adotam o tricomposto na traseira. Por enquanto vou deixar este de lado e concentrar nos modelos que avaliamos no Campo de Provas da Pirelli.
A tecnologia de bicomposto, a grosso modo, significa que tem uma região mais “dura” na frente e mais “macio” nas laterais. O objetivo é reduzir a deformação nas frenagens e aumentar o rendimento quilométrico. Para este Diablo IV a novidade é que agora o pneu dianteiro é 100% com sílica, produto que conduz e mantém a temperatura. Ou seja, ele aquece mais rápido e demora mais pra esfriar. Pode parecer uma bobagem, mas quando se pensa numa sequencia de curvas é importante o pneu preservar o calor no momento da transição de um lado para o outro.
Uma das preocupações que mais atormenta um piloto é esta transição. Imagine uma curva de raio longo para a direita e depois uma curva fechada à esquerda. O pneu aquece o lado direito e na hora de virar à esquerda fica aquela dúvida “será que posso deitar de uma vez?”.
Nos testes realizados na Itália, o novo Diablo Rosso IV foi tão eficiente na transição que o piloto foi 2,5 segundos mais rápido! Quando se fala em motovelocidade de alto desempenho, 2,5 segundos representa uma eternidade de diferença. Segundo os testadores italianos, este ganho foi graças às frenagens mais fortes mas, principalmente, pela rapidez e precisão na transição.
Já o pneu traseiro bicomposto ganhou um pouco mais de velocidade em saída de curva graças à um novo tipo de material usado na estrutura. Dentro dos pneus tem “cordões” de fibras sintéticas que são uma espécie de esqueleto onde será apoiada toda a mistura de borracha. Para aumentar a resistência dos pneus, este cordão precisa ter um determinado diâmetro. Aí entra em cena o tal compromisso, porque se engrossa demais o cordão não sobra muito espaço para colocar borracha e o que dá aderência é borracha. Neste novo Diablo a Pirelli conseguiu aumentar a resistência mesmo usando cordões mais finos. O que abriu espaço para colocar mais borracha.
Outra dificuldade de compromisso é o rendimento no seco & molhado. O que dá aderência no molhado é a eficiência no deslocamento de água e quem faz esse trabalho são os sulcos. O desenho e a profundidade dos sulcos dão mais ou menos vazão da água. Porém existe uma dificuldade: se aumentar muito os sulcos diminui a quantidade de borracha e, mais uma vez, o que dá aderência é borracha. Esta relação entre borracha e sulco é chamada tecnicamente de ralação cheio/vazio. Quanto menor for essa relação, mais borracha em contato com o solo e mais aderência, mas... menor deslocamento de água.
Neste Diablo Rosso IV a relação cheio/vazio foi reduzida em 30% quando o ângulo de inclinação da moto passa de 35º em relação ao plano vertical. Como no piso molhado não dá para inclinar muito, os sulcos foram redesenhados para escoar mais rapidamente a lâmina de água. Enfim, o tal compromisso entre seco e molhado foi melhorado. Mas o desenho manteve o formato de raio, que faz sucesso por muitos anos.
Chega de papo
Se entrar muito em papo técnico daria pra escrever um livro. Então vamos ao que interessa que é o comportamento na pista! Comecei pilotando uma Yamaha MT-09, dentro do conceito crossover, que é uma espécie de cruzamento de bigtrail com esportiva. Para autódromo é uma moto um pouco alta, mas foi bom para avaliar o conforto. Sim, porque por mais esportivo que seja um pneu tem de levar em conta conforto e ruído.
Na pista de “tortura” o Diablo Rosso IV se saiu muito bem. Nos diferentes tipos de asfalto e nas frenagens em piso irregular. Claro que pneu novo é sempre uma delícia em qualquer piso. Por isso determinar o quanto ele absorve as irregularidades é uma missão para pilotos bem experientes. Posso garantir que por se tratar de um pneu radial é bem mais confortável do que podia imaginar. Mas eu estava pilotando uma crossover com suspensões de longo curso, principalmente a traseira.
O segundo ato foi já na maravilhosa pista do Circuito Panamericano. Asfalto perfeito, curvas de todo tipo, várias frenagens fortes e sequências de S completaram o cardápio do parque de diversões. Nas primeiras voltas já deu para sentir que a maior conquista foi realmente no pneu dianteiro bicomposto. É muito fácil de inserir na curva e manter a trajetória. Como a Yamaha MT-09 estava com a suspensão traseira muito “mole” cheguei a sentir algumas derrapadas de leve no meio da curva quando fechava o acelerador. Não foi uma sensação muito agradável, mas felizmente teve mais relação com a moto do que com o pneu propriamente, como pude comprovar mais tarde.
O maior avanço foi realmente na transição em sequencias de esses. Especialmente em uma chicane de baixa velocidade, quando pude perceber que o pneu dianteiro aceita a mudança de trajetória de forma muito rápida, precisa e segura.
Já o pneu traseiro ficou a impressão (equivocada) de saltitar nas desacelerações.
Sem medo do molhado
A terceira avaliação foi no circuito menor, criado especialmente para rodar no molhado. Um conjunto de sprinklers joga água no asfalto em todo o percurso. Desta vez fui mais esperto e escolhi uma moto mais tranquila: a Triumph Speed Twin 1200cc, com motor de dois cilindros gêmeos, controle de tração e freios ABS.
Por muitos anos dei aulas de pilotagem e competi de motovelocidade, inclusive sob chuvas torrenciais. O segredo para pilotar no molhado sem enfartar é usar marchas longas, inclinar mais o corpo do que a moto e frear como se tivesse um ovo cru entre a manete e a manopla. Mas sem esquecer que estes pneus da família Diablo são praticamente slicks nas laterais. A inclinação máxima no molhado é 35º, mas não existe um compasso instalado no painel da moto. O piloto que tem de calcular.
Depois de duas voltas para aquecer os pneus – sim, no molhado os pneus também aquecem – senti total confiança para aumentar o grau de inclinação até perceber os pequenos deslizes que indicam o limite. Mais uma vez a transição foi a parte que primeiro chamou a atenção por permitir mudar de direção sem um sinal de vacilo. Porém o que mais me impressionou no molhado foi a capacidade de frenagem. Por duas vezes passei muito o ponto de frenagem e mesmo aplicando o freio dianteiro com força a moto reduziu bastante de velocidade mesmo sem o ABS entrar em ação. É mais um exemplo de como conseguir o tal compromisso entre rendimento no seco, sem perder a segurança no molhado.
Terceiro tempo
Como compensação por me manter o tempo todo vestido com macacão de couro num calor de 34º, tive a chance de pilotar mais uma bateria no circuito grande. Desta vez com uma Kawasaki ZX-6R 636, uma esportiva de corpo e alma. Não poderia ter tomado melhor decisão, porque a impressão sobre o pneu traseiro mudou completamente. Na verdade a primeira sessão de testes com a MT-09 foi comprometida pela suspensão traseira muito mole. A bordo de uma autêntica esportiva o feeling foi totalmente diferente.
Não lembro de ter inclinado tanto uma moto original, sem qualquer preparação. Com uma moto feita para pista foi muito mais perceptível a capacidade de reaceleração em saída de curva. Com mais segurança na entrada e mais eficiência na saída o piloto consegue contornar a curva de forma mais rápida. Foi essa conquista que deu os 2,5 segundos a menos no tempo de volta comparado com o Diablo Rosso III.
Aliás, o segredo para ser rápido em pista é justamente a capacidade de entrar e sair mais rápido das curvas. Como ainda sou um piloto à moda antiga não exagerei demais nas inclinações, mas o jovem Alex Schultz, piloto ativo de motovelocidade, voltou da pista com a mesma Kawasaki 636 sorrindo de orelha a orelha, mostrando as marcas do macacão com os cotovelos raspados. Chegar a raspar os cotovelos na curva com um pneu feito para a estrada é sinal de imensa evolução.
Em suma, o que a Pirelli conquistou com o Diablo Rosso IV foi a mais perfeita tradução do compromisso entre estrada e pista. Falando de modo mais simples, quer dizer que um usuário de moto esportiva pode ir para a pista treinar em um track-day sem necessidade de levar a moto em uma carreta. Com os pneus essencialmente de competição o rendimento na pista é bem superior, mas rodar na estrada com este tipo de pneu é totalmente arriscado porque a carcaça não foi feita para superar buracos, muito menos no piso molhado.
A grande vantagem de um pneu intermediário entre touring e sport é a versatilidade de poder usar na estrada, na cidade, no seco ou molhado e ainda conseguir um bom rendimento em autódromo. Sem a preocupação com a durabilidade. Afinal, quanto mais esportivo menor o rendimento quilométrico.
No caso das motos big trail e crossover a vantagem é poder acompanhar o ritmo das esportivas na estrada e até em track-days. O mesmo vale para as naked ou até para uma clássica vintage como a deliciosa Triumph Speed Twin.
A Pirelli anunciou que em breve estes novos pneus estarão nas lojas especializadas, por enquanto só nas medidas abaixo de 190/55. Ainda neste ano chegarão os modelos para medidas acima de 190/55 com tecnologia tricomposto.
As medidas oferecidas são:
Dianteiro – 120/70 ZR 17
Traseiro - 160/60 ZR 17, 180/55 ZR17, 190/50 ZR 17, 190/55 ZR 17, 200/55 ZR 17 e 200/60 ZR 17.