A mais trail das big, como é a nova Honda Africa Twin 2021
A nova Honda CRF 1100L Africa Twin chegou em quatro versões, com preços a partir de R$ 70.500
Uma das perguntas mais frequentes entre os usuários de motos big trail é: qual a melhor moto para enfrentar todo tipo de terreno? Uma questão difícil de responder porque num roteiro de longa distância é normal encarar mais asfalto do que terreno ruim. Por isso as chamadas big trails foram se tornando cada vez mais on e menos off road. Rodas dianteiras de 19 polegadas, suspensões e bancos mais macios e, aos poucos, foram ganhando estilo mais próximo de uma crossover. Mas e na terra?
Enfrentar terrenos difíceis de terra, lama, areia exige motos leves, ágeis e fáceis de pilotar. Foi com essa ideia na cabeça que a Honda projetou a Africa Twin, inicialmente na versão 1000, que tive a chance de pilotar nas trilhas da Serra da Canastra, MG, e agora com motor 1100cc. Naquela ocasião eu comentei que sentia a falta de um pouco de potência e de pneus sem câmera mais off. Pois tudo isso foi revisto.
A nova versão da Africa Twin na verdade são quatro versões: standard com câmbio sequencial normal e com câmbio CVT de dupla embreagem; Adventure Sports ES com câmbio normal e câmbio CVT. Tive a chance de pilotar as quatro e afirmo que o meu número é a versão mais simples de todas com câmbio de alavanca, mas adorei não ter de trocar marchas.
Só pra esclarecer, essa versão 2021 não é um upgrade da primeira versão. É uma moto 100% nova, que se dividiu em duas para atender tanto quem quer algo mais leve no fora-de-estrada e uso urbano, quanto para quem quer uma big trail luxuosa para viagens patagônicas.
Dentre as principais novidades está o quadro, que foi redesenhado para deslocar o motor um pouquinho mais pra frente. Motos fora-de-estrada precisam ter mais massa na roda dianteira. Já o motor ganhou mais capacidade volumétrica, passando de 999,1 cm3 para 1.084 cm3. Este ganho foi no curso, mas manteve-se o diâmetro. Quando o curso é aumentado o resultado é um ganho nas respostas graças ao aumento do torque em mais de 1 Kgf.m. A potência também aumentou quase 10 cv chegando a 99,3 cv.
No campo da eletrônica, todas as versões da Africa Twin contam com opções de mapas de comportamento do motor, suspensão, tração, freios e tudo que se mexe. O piloto pode programar desde uma opção mais touring e econômica, até uma mais hardcore, sem muita atuação da eletrônica nos freios e tração. Confesso que ainda olhava meio torto para essas coisas de muita eletrônica embarcada, principalmente em uma moto feita para dar a volta ao mundo. Mas é a tal tendência. Depois de rodar com elas mudei de opinião.
Todas estas opções podem ser controladas e ajustadas pelos comandos do punho e pelo enorme painel customizável. Fico só imaginando o tamanho do manual de instruções, mas felizmente é quase tudo muito interativo e fácil de manusear. Depois que se aprende, claro.
Mão quente
Nosso teste foi realizado em um dia especialmente gelado em São Paulo. Talvez tenha sido intencional para testar a funcionalidade do aquecedor de manopla. Sim, funciona muito bem. Já fiquei mal acostumado por causa das BMW, agora sonho com esse acessório até em uma simples 125cc. Vale cada centavo investido.
Comecei a avaliação na versão mais simples. Justamente no trecho de asfalto. Esta versão tem tanque de gasolina menor, com 18,8 litros (na Adventure tem 24,8 litros), por isso ela lembra uma autêntica enduro. O banco tem duas medidas de altura ao solo (de 850 e 870mm), mas existe um banco opcional que deixa ainda mais baixa. Como eu sou um nanico metido prefiro o banco alto mesmo, porque dá certa sensação de empoderamento.
Não foi preciso mais do que alguns quilômetros para perceber que o incremento de torque e potência fizeram efeito. É incrível como ela ganha velocidade mesmo em sexta e última marcha. Aquela sensação da versão 1000 que faltava um tiquinho de potência sumiu completamente. Já não fica devendo às versões menos trail do mercado. Por questões de segurança não faço mais medições de velocidade, mas pode calcular uma velocidade máxima perto de 200 km/h.
O que posso atestar com tranquilidade é que pode-se viajar entre 120 e 140 km/h sem o menor esforço. Nas versões com a bolha maior o vento passa por cima da cabeça, reduzindo o ruído. Nos modelos com bolha menor o vento provoca o desconforto normal de qualquer moto sem proteção aerodinâmica.
Com a moto em movimento não senti o desconforto do calor do motor. Claro que a baixa temperatura ambiente contribuiu, mas também porque os radiadores foram redimensionados e colocados levemente inclinados para fazer o ar quente sair por baixo, desviando das canelas do piloto.
Sem embreagem
Finalmente chegou a vez de avaliar a versão com câmbio DCT de dupla embreagem. Antes é preciso fazer uma importante ressalva. Na língua portuguesa os verbetes automático e automatizado são sinônimos. Todo sistema automatizado é automático. Mas, para efeito de compreensão e diferenciação, convencionou-se chamar os câmbios DCT de “automatizados” porque a caixa é igual à do câmbio sequencial, porém as trocas são automáticas. No entanto, tem nada a ver com os câmbios “automatizados” utilizados por alguns carros nacionais, que eram uma solução caseira e barata para colocar um câmbio automático em um carro “popular”. O câmbio DCT tem dupla embreagem, enquanto o “automatizado” dos carros tinha apenas uma embreagem, por isso dava trancos em cada troca, aliás, um show de horror.
A sensação é de estar pilotando um carro esportivo, porque as trocas são imediatas, sem trancos, nem soluços. Ele tem uma série de controles eletrônicos que interpretam cada situação e modulam as trocas conforme o piloto muda o estilo de pilotagem. Por exemplo, mesmo no modo “drive” se o piloto girar o acelerador com rapidez o câmbio “entende” que precisa dar velocidade e reduz as marchas por conta própria. Se o piloto mantém o ritmo agressivo as trocas serão mais “esportivas”.
Já no modo “sport” (tem 3 opções de Sport) o piloto troca as marchas por meio de dois seletores no punho esquerdo. Se deixar de trocar uma marcha ascendente o câmbio não faz a troca até chegar no limitador de giro. Mas ao contrário, se deixar cair a velocidade sem reduzir marcha, o câmbio reduz sozinho para não destruir o motor. Mas nem vou me estender demais nesse tema porque daria um livro de tantas possibilidades. Resumindo são seis modos de pilotagem – Tour, Urban, Gravel, Offroad, User 1 e User2. Cada uma delas tem cinco opções de troca de marcha: Drive, três esportivos e MT (“manual”). Imagina o tanto de combinações!
O mais importante que o leitor precisa saber: funciona! Tanto no asfalto quanto na terra. No asfalto fiz várias simulações nos trechos sinuosos e admito que a melhor e mais divertida forma de pilotar é no Tour Sport3. Na terra, dependendo do nível de aderência do piso, pode-se optar pelo modo Gravel (escorregadio), quando sistemas de controle do freio ABS e de tração entram em ação ao menor sinal de derrapagem. Na verdade eu prefiro que a moto derrape na frenagem e na retomada, pura questão de estilo de pilotar, por isso passei para o modo off-road, que libera o ABS do freio traseiro e deixa a moto derrapar nas acelerações.
Se nenhum destes modos de pilotagem te agradar, sem problema, tem duas opções de modo customizado. O piloto pode pré definir um modo para uso on e outro para off road e apenas escolher pelo painel o que mais combina com a situação.
Na estrada de asfalto a maior carenagem da versão Adventure Sports ES garante aquele silêncio delicioso dentro do capacete, sem a ventania provocando o caos. Outra importante diferença entre as duas é que na versão standard o pneu é mais off e tem câmera, enquanto na versão touring o pneu é mais on, sem câmera. Confesso que torço o nariz para motos com pneu com câmera porque já levei vários sustos. Mas a CRF 1000L standard é um sonho pra quem gosta de pilotar na terra beirando os limites.
Como andam
Descrições técnicas à parte, o que importa é saber como se comportam. Outro dado importante é que ambas ficaram mais leves. Na standard o emagrecimento foi de 12 kg, sendo 2 kg só no motor! Se eu já tinha gostado dela na primeira versão com motor de 1000 cc, imagine agora! Sem exageros, a impressão é de pilotar uma CRF 450 com mais potência e mais massa.
As estradas de terra na região de Mogi das Cruzes (SP) não viam uma gota de chuva havia pelo menos 45 dias. Estava tudo seco, empoeirado e duro. Nestas condições, qualquer vacilo pode espalhar os R$ 70.500 (versão de entrada) pelo chão. Mesmo assim eu forcei bem para entender o comportamento dos (ótimos) Metzeler. Não chegamos a pegar lama, mas pelo que percebi não deve dar trabalho principalmente pelos 206 kg (seco) que são bem fáceis de administrar.
Com a nova posição do motor, levemente mais pra frente, a posição de pilotagem também alterou. Agora o piloto fica mais deslocado para a frente, perto da roda dianteira. Também aumentou um pouco a altura do guidão. Aliás, parece que tudo que apontei de “negativo” na primeira versão foi alterado para esta nova. Antes o guidão dificultava a pilotagem em pé nas pedaleiras. Agora pude pilotar muito tempo em pé sem precisar curvar a coluna. Bom, eu sou pequeno por natureza (1,68m). Pilotos mais altos terão de fazer ajustes.
Posso afirmar sem risco de exagero que esta Africa Twin mais básica pode encarar um rali, tipo Sertões, com poucas alterações. Nesta versão as suspensões são amplamente reguláveis, porém da forma mecânica, na base da ferramenta. Já na Adventure é tudo eletrônico: basta mexer alguns botõezinhos. Ao escolher um modo de pilotagem a suspensão já se pré-ajusta.
Como não poderia deixar de ser, pilotei a Africa Twin com câmbio DCT também na estrada de terra. O preconceito inicial deu lugar à certeza que o futuro das motos é ter apenas os comandos de acelerador e um de freio para as duas rodas. Esta certeza veio do funcionamento inacreditável dos controles eletrônicos. Graças a uma central, batizada de IMU, com seis coordenadas (horizontal, vertical e longitudinal em dois sentidos cada) o gerenciamento eletrônico é capaz de entender o tempo todo como a moto está em relação aos seis eixos e comandar freios, acelerador, suspensão e injeção.
Para entender como isso é possível, baixe qualquer app no seu celular que tenha medidor de nível, igual àqueles de pedreiro. Ele é capaz medir todos os planos possíveis nos seis eixos. A grosso modo é isso que tem dentro da IMU da Africa Twin (e de outras motos e carros atuais). Se a moto afunda demais na frenagem o sistema ajusta a suspensão e transfere carga para o freio traseiro. Se o piloto inclina bastante e acelera com fúria, o sistema não libera toda a potência. E, cereja do bolo, se o piloto alicatar o freio dianteiro com toda raiva do mundo em plena curva, o sistema salva a vida do aspirante e carrega a frenagem na roda traseira. Trocando em miúdos, é um sistema à prova de erros. Mas, vamos combinar, um piloto tão errado assim não chega numa moto dessa...
Já testei motos esportivas com esse sistema de gerenciamento e acabou com aquele velho preconceito de achar que a eletrônica vai acabar com a pilotagem pura. Bobagem, porque sabendo que pode arriscar mais o piloto acaba achando até mais prazeroso elevar os limites.
Origem nos grandes ralis
A volta pra São Paulo foi já no congelante entardecer. Pegamos a estrada à noite e pude avaliar outro sistema herdado dos carros. O farol totalmente de leds tem uma funcionalidade interessante: quando se inclina a moto, seis luzes extras iluminam a parte interna da curva (três para cada lado). Quanto mais inclina mais luzes se acendem. Pensa num alívio para quem pega estrada de terra sozinho à noite! Outro conforto muito bem vindo nesta hora foi o sistema de aquecimento das manoplas. Pode-se regular os níveis de temperatura. Um mimo que todo motociclista deveria se permitir!
Resumindo, a nova família da Africa Twin é formada por quatro unidades que podem atender diferentes estilos. Claro que nas redes sociais sempre tem a turma do “bah, não tem eixo cardã”. De fato não tem, mas o sistema a corrente existe desde que inventaram a moto e tem cumprido a função de transmitir o movimento do motor para a roda traseira com simplicidade e eficiência. Não se deve compará-la com as BMW GS, nem a Triumph Tiger 1200 ou Suzuki V-Strom, porque são motos muito mais roadster do que propriamente big trail. O mais correto é comparar a Africa Twin com as KTM, que tem a mesma origem nos grandes ralis.
Avaliações sempre implicam em números de desempenho e consumo. Desempenho posso garantir que é suficiente para qualquer viagem. O consumo fica mais complicado porque depende de cada ser humano que assume o comando. O que pude avaliar pelos computadores de bordo é que pode fazer entre 20 a 21 km/litro em uma tocada fluida, sem exagerar do acelerador. Uma dica importante: quando se pilota na cidade no modo Urban ou na estrada no modo Tour, os parâmetros eletrônicos sempre escolherão o modo mais econômico. Pode acreditar que uma central eletrônica é capaz de “pensar” melhor e mais rápido do que nós.
Os preços. Já faz muito tempo que deixei de comentar sobre preços, porque o Brasil não é para amadores. Posso adiantar que começa em R$ 70.490 e pode passar de R$ 100.000 na versão top com todos os acessórios. Aliás, o catálogo de acessórios merece ser visto. Melhor consultar o site da Honda que explica detalhadamente os câmbios e programas, mas também porque os preços variam conforme a região. A garantia é de três anos.
Ficha técnica
Motor
Tipo – quatro tempos, dois cilindros, 8 válvulas, arrefecimento líquido.
Cilindrada – 1.084 cc
Diâmetro/curso – 92 x 81,5 mm
Potência – 99,3 CV a 7.500 RPM
Torque – 10,5 Kgf.m a 6.000 RPM
Taxa de Compressão – 10:1
Alimentação – injeção eletrônica
Câmbio – seis marchas;
Transmissão – coroa, corrente (com O-rings) e pinhão
Quadro – berço semi duplo de aço e alumínio
Suspensão dianteira – garfo telescópico, 230 mm de curso
Suspensão traseira – Pro-Link, 220 mm de curso
Distância entre eixos – 1.574 mm
Freio dianteiro – disco duplo ABS
Freio traseiro – disco ABS
Pneu dianteiro – 90/90-21
Pneu traseiro – 150/70-18
Comprimento total mm – 2.328
Largura total mm - 958
Altura do assento – 850 - 870 mm
Peso seco – 206 e 216 (DCT) kg
Tanque – 18,8 e 24,8 litros
Consumo de combustível – 21 km/litro (média geral)